SOUTH ATLANTIC RUINS: Espírito Santo, Brazil
RÚINAS DO ATLÂNTICO SUL: Espírito Santo, Brasil
This audiovisual essay is divided in 5 acts. The five acts carry within them questions that are animated both by the gesture of violence that inaugurates the Afro-Atlantic diaspora in the slave context, and by the continuous gesture of rebuilding life. The transcreation of ways of existing still organizes the material history of life in the South Atlantic. From Espírito Santo, a state located in southeastern Brazil, we evoke the image of ruin, which is an announcement of collapse and unforeseen possibilities. The waters are our starting and ending point. In front of them, we look, in the doorway. In this unstable image created by Dionne Brand, we see the reminder of the inexistence of a place to return and decide not to surrender to interdiction as the only way. Act [1], “insurrection”, has the ruins of the church of São José do Queimado, a place where a slave insurrection took place in 1849, as a testimony of disobedience and refusal to prison. The act [2], "dis-capture", announces the gestures of de-capture, emancipation project and the displacement from the city (controlled zone) to the mountains and forests (freedom zones) in multiform spatial arrangements, sheltered in the Quilombo idea. In the act [3], "(re)enchanting the land", searches the landscape of the city of Santa Leopoldina, a mountainous region of Espírito Santo, for evidence of the usurped land of the indigenous people - botocudos, puris, coroados - and their interdiction to the descendants of enslaved. Delivered to Italian, German, Belgian, Austrian and Pomeranian immigrants at the end of the 19th century, the once glorious city betrays, in its anachronistic and maladjusted architecture, the nostalgic desire for a white future. The act [4], “path of the waters”, follows the Santa Maria River, from Santa Leopoldina to the capital, Vitória. The waters of this river organized the territory until the first decades of the 20th century, when land roads and bridges started to compose a system of infrastructure that started to connect the water territory by land. Descendants of Indians and Africans, the Santa Maria River was the domain of these masters and craftsmen, canoeers of amphibious lives. It is through it that the last act takes place, [5] "shell city". This act informs about the growth and density of this port city, which changes during the 20th century. Constrained between the waters of the river and the waters of the sea, the port city of Vitória will be inhabited by the crossing of African and indigenous descent, as well as European ones. The uprising of modernist-inspired architecture that was accentuated in the middle of the 20th century, shares its place with architectures of historicist styles that forge a Europeanized past as a simulacrum, while densification and self-construction gradually erase aseptic or disinvested ideas of intensity . The material life of the city's buildings, like the sea shell, is shelter and testimony to the unimaginable oceanic lives.
Este ensaio audiovisual está distribuído em 5 atos. Os cinco atos carregam em si questões que são animadas pelo gesto de violência que inaugura a diáspora afro-atlântica no contexto escravista e também no longo e contínuo gesto de refazimento da vida. A transcriação dos modos de existir nos organiza ainda hoje a história material da vida no Atlântico Sul. Desde o Espírito Santo, estado situado no sudeste brasileiro, evocamos a imagem da ruína, que é tanto anúncio de falência, quanto de possibilidades inimagináveis. As águas de Kalunga, são nosso ponto de partida e também de chegada. Diante delas, nos situamos na soleira da porta, essa imagem instável criada por Dionne Brand. De lá avistamos o lembrete da inexistência de um lugar para retorno e decidimos por não nos rendermos à interdição como único caminho. O ato [1], “insurreição”, tem as ruínas da igreja de São José do Queimado, local no qual ocorreu em 1849 a principal insurreição escravista do Espírito Santo, como testemunho da desobediência e da recusa ao cárcere. O ato [2] anuncia os gestos de des-captura, projeto de emancipação e o deslocamento da cidade (zona controlada), para as serras e matas (zonas de liberdade) em arranjos espaciais multiformes, abrigados na ideia de quilombo. No ato [3], “(re)encantar a terra”, busca na paisagem da cidade de Santa Leopoldina, região montanhosa do Espírito Santo, as evidências da terra usurpada dos indígenas - botocudos, puris, coroados - e sua interdição aos descendentes de escravizados. Entregue aos imigrantes italianos, alemães, belgas, austríacos e pomeranos no final do século XIX, a cidade que já foi gloriosa, denuncia em sua arquitetura anacrônica e desajustada, o desejo nostálgico de um futuro branco. O ato [4], “caminho das águas”, acompanha o Rio Santa Maria, desde Santa Leopoldina até a capital, Vitória. As águas desse rio organizaram o território até as primeiras décadas do século XX, quando rodovias terrestres e pontes passaram a compor um sistema de infra-estruturas que passou a conectar por terra o território das águas. Descendentes de indígenas e africanos, o rio Santa Maria era de domínio desses mestres e artífices, canoeiros de vidas anfíbias. É através dele que o último ato se realiza, [5] cidade-concha. Esse ato informa sobre o crescimento e adensamento dessa cidade portuária, que se transforma no decorrer do século XX. Constrangida entre as águas do rio e as águas do mar, a cidade portuária de Vitória vai ser habitada pelo cruzo das descendências africanas e indígenas, além das européias. O levante da arquitetura de inspiração modernista que se acentua na metade do século XX, divide lugar com as arquiteturas de estilos historicistas que forjam um passado europeizado como simulacro, ao mesmo tempo em que o adensamento e a autoconstrução vão rasurando ideais assépticos ou desinvestidos de intensidade. A vida material dos edifícios da cidade, tal qual a concha do mar, é abrigo e testemunho das inimagináveis vidas oceânicas.